sexta-feira, 12 de março de 2010

A Caçula

Quando bebê não dormia. Tinha choro estridente, chorava até perder o fôlego e ficar roxinha. Estranhava todos. Pobre mãe! Não havia braço que aguentasse.
Frágil, magrinha, nem mesmo o cabelo tinha força prá crescer. Ralo, loiro quase branco. Ela era bem diferente dos seus irmãos.
Cresceu protegida. Ninguém podia contrariá-la. Pobres irmãos! Não havia meio de se livrar da chatinha, que fazia bico e ia às lagrimas num piscar de olhos.
O primeiro dia no "prézinho" foi um caos. Chacoalhou o portão até não ter mais forças, chorou e dormiu no colo na "tia". Depois acostumou, era paparicada pela professora e pelos funcionários. De uniforme xadrez vermelho, tênis bamba e maria-chiquinha nos cabelos lá ia ela prá mais um dia de aula e de muitos elogios.
Nessa época o que ela mais tinha eram manchas roxas na roupa, pele e cabelos oriundas de horas trepada no pé de amora do quintal. Tinha casa na goiabeira, nojo de minhocas, brincava de ser professora e tomava muita injeção por conta de sua garganta que vivia inflamada.
Aos dez anos sua brincadeira predileta era arremessar goiabas podres nos veículos que trafegavam por sua rua e dedurar os irmãos quando algo dava errado.
Aos treze mudou-se do paraíso, da escola, de amigos e de brincadeiras. Agora frequentava domingueiras, beijava na boca e curtia rock'n roll.
Ao contrário dos irmãos, gostava de estudar o que lhe proporcionou trabalhar apenas quando completou 18 anos. Aos 19 estava na faculdade e descobriu que sua vida era muito boa quando comparada a de seus melhores amigos.
Quase casou aos 22. Deisistiu da faculdade, afinal tinha muito tempo pela frente para estudar. Namorou, sonhou, viajou, sofreu, riu, bebeu, fumou, dirigiu, gastou, ganhou, amou, vendeu, chorou. Tudo com muita intensidade e nenhuma responsabilidade.
Passou a assistir aos shows de seus ídolos sempre sozinha. No começo era por falta de companhia depois passou a ser por opção. Assim não tinha que se preocupar com a segurança de ninguém, só a dela. Viu de Camisa de Vênus e Rolling Stones até Carmina Burana e Maria Bethania. Decididamente ela era estranha.
Aoa 30 cansou. Casou teve um filho, separou, quebrou todas as regras familiares. Aos 37 comprou casa, aos 39 voltou prá faculdade, aos 42 se formou e agora não sabe o que fazer com o canudo. A única utilidade que desobriu é poder ter cela especial no caso de matar alguém.
Sabe que não tem braços prá segurá-la e portanto não chora mais. Dorme com facilidade, pois descobriu que dormindo não pensa. Trabalha e dá trabalho. Só pensa no futuro imediato e ainda vive fora das regras. Ama a vida e continua tendo nojo de minhocas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário